Edward Hopper
Melancholy
Há muito não escrevo nada sobre
mim, sobre como percebo o mundo, o que se passa em minha cabeça. Acho que deve
ter uns quatro anos que sofro de bloqueio criativo. É isso? É assim que chamam
quando um indivíduo perde a capacidade de se interagir à matéria desdenhando a
tudo e a todos, se desligando totalmente do contato humano em sua gama de
experiências, não se influenciando nem tampouco influenciar, pois acredita que
não há nada a oferecer a ninguém, e não há a nada a ser desejado! Não, isso se
chama depressão.
Aparentemente é um estado de
nirvana puro, um ser consciente que nada deseja e nada tem a oferecer! Mas não.
É só o vazio. Um velho conhecido, mas não amigo.
Agora depois de tudo o que
aconteceu vocês poderiam dizer que houve recompensa, que valeu a pena desbravar
seu potencial para a vida com suas possibilidades. Podem dizer que estou mais
sábio ou experiente, ou mais vivido com menos chances ao erro. Ainda tem os
estúpidos que podem apontar o dedão imundo e ponderar na insanidade de seus
comentários críticos dizendo que havia avisado e até mesmo esperado os
resultados de minhas ações outrora inconseqüentes e covardes. Desses, eu nem me
importo, aliás, nem me importo mais com nada nem ninguém. Vem um tempo em que não há mais nada a
agarrar; os amigos estão com seus amigos, os inimigos já se esqueceram do que
detestavam e o único sonho foi tirado de mim.
Eu ainda penso muito nela, em minha
filha que morreu nas primeiras horas da manhã de meu aniversário, talvez pra
que nunca a esquecesse. Talvez mera ironia do Deus Desconhecido. Talvez nenhuma
coisa nem outra. Tudo o que vivi com a mãe dela esvaiu-se de dentro de mim
completamente. Ainda tentava agir com um altruísmo que não era meu, quando vi
que não suportaria mais o peso, cedi. Abandonei a casa e o casamento de oito
anos, talvez já houvesse abandonado há tempos... Talvez não...
O emprego em que tive as melhores
oportunidades também se fora como peso extra pra Redenção Final. Bati o carro
que havia comprado há pouquíssimo tempo com meu irmão, esse foi o início do
processo de perda; depois veio a Layla, depois o emprego, depois o casamento,
enfim o resquício de qualquer vontade!
Eu levo anos para tomar alguma
atitude e em todas as mínimas escolhas minhas, consciente ou não, tiveram
retorno: causa e efeito. Mesmo aquelas em que decidi não agir. Todas se
repercutiram sobre minhas escolhas nesse pseudo livre arbítrio meticulosamente
planejado e calculado em todas as probabilidades. “Vejas, mil formas de como
fazer ruir o seu mundo!” Mas tudo é culpa sua.
A culpa é minha. Sempre foi e será.
Decidi não decidir mais nada. O
mundo não precisa de ajuda, nem de mudanças. As pessoas estão satisfeitas com
suas escolhas, caso contrário, não estariam repetindo-as e repetindo-as dia a
dia, um vício frenético que elas não conseguem largar. Mas ninguém está fazendo
nenhuma escolha lá no fundo, não é? Nós sabemos disso. Você não pode continuar
enganando a si mesmo. Parece que não sobrou muita alternativa. Eu tenho medo só
de me imaginar num palco com um violão rodeado de pessoas. A melancolia corroeu
as surpresas que a dopamina antes liberava com tanta facilidade. A vida era um
doce quando éramos crianças. Agora só há o tédio, a náusea, a melancolia que
adoece os sentidos. E ainda cogito com minhas escolhas, mas parece que todas
levam sempre ao mesmo lugar: o ponto de partida onde me encontro agora – LUGAR
ALGUM.
Samuel
Peregrino
26 de Janeiro
de 2012
02:20 am
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