FÁBRICA DE DEUS



"O Olho com que vejo Deus é o mesmo Olho com que Deus me vê."
Angelus Silesius, poeta e místico alemão do sec. XVII


Olhos rubros, rotos, quentes, des-espaçados - a mente fugidia tentando construir mundos, o chão, o chão nada mais é que desestruturação moléculas atômicas partidas divididas sem esperança - um pó amarelado cobria o piso translúcido e à frente o Mar de Vidro.



A Nova Jerusalém

Uma cidade fustigada pelo sol eclipsado ao meio-dia, A nova morada dos homens, os limpos de coração verão um deus. O homem vê a pedra. A pedra é maleável. Pedra-sabão. Um molde de si mesmo, um molde de um animal, ele não poderá esculpir o que não viu. O homem é um artesão, um santeiro, a obra está pronta, os traços delineando finos lábios, olhos tristes talhados num mineral. O homem leva a imagem ao sacerdote que o leva ao povo que o eleva aos céus, um totem erigido num altar de ouro, baluarte para os fracos. Deus se esconde numa casa de argila e ouro, o teto arcoado subsiste por mil gerações, os mancos, as prostitutas, os cegos, os assassinos, os leprosos, os políticos, os mortos, os reis, todos entram para vê-la, ajoelham, erguem suas mãos, fecham os olhos e a invocam, A projeção da verdade Platão viu, uma aparente ilusão em que nos encontramos, uma realidade distorcida, aparente, cópia do original escondido, refletido num espelho fosco numa miríades de abstrações.

Disse Arjuna:

"Ó Senhor, de uma forma magnífica, em Seu corpo posso ver os semideuses, todas as espécies de vida, sábios e serpentes transcendentais, bem como Mahadeva e o Senhor Brahma sentado na flor de lótus. Ó Senhor do Universo! Ó forma universal! Em todas as direções vejo Seu corpo ilimitado de muitos braços, barrigas, olhos e faces – entretanto, não posso vislumbrar Seu começo, meio ou fim. Resplendendo com coroas, maças de combate e armas em forma de disco – por toda parte! - vejo Sua imagem todo - iluminado e refulgente, irradiando como o sol e o fogo flamejante e, portanto, mui difícil de contemplar e além de toda imaginação.
Você é a personificação da Verdade Absoluta Suprema cognoscível por meio dos Vedas; Você é o reservatório exclusivo deste universo, e o preservador imperecível da eterna religião mencionada nos Vedas. Você é, por certo, a eterna Personalidade Suprema, e essa é a minha firme convicção." Capítulo 11, versos 15,16,17 da BHAGAVAD-GITA

Isaías também o viu :
"No ano em que o rei Uzias morreu, eu vi o Senhor assentado num trono alto e exaltado, e a aba de sua veste enchia o templo. Acima dele estavam serafins; cada um deles tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés e com duas voavam. E proclamavam uns aos outros: “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos, a terra inteira está cheia da sua glória. Ao som das suas vozes os batentes das portas tremeram, e o templo ficou cheio de fumaça. Então gritei: Ai de mim! Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!" Livro de Isaías, Capítulo 6, Versículo de 1 em diante

Ei traga o artíficie e construa-nos uma imagem, disse o povo a Aarão. Ouro talhado na totalidade, o Grande Bezerro Egípcio Cego e Mudo.
Ei escultor faça-nos um ídolo, disse o rei. A fôrma de um homem o fez, pés de barro cabeça de ferro fundido, a pedra sonhada o derrubaria. Seu deus não responde nossas preces, construa um templo assim ele virá. O artesão sobe a montanha, talha a rocha, constrói o templo e os deuses não vêem. Escreve escriba a imagem de um deus para que o possamos adorá-lo como as outras nações disse o sacerdote.

"No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus."

Traços esmerados delineando curvas e formas e letras e palavras e frases ininterruptas numa apoteose de asas e vibrações. O círculo de pedras afogueadas o aguardava num carro cheio de rodas e olhos, a glória do fogo Deus Ex-Machina. Os templos estão vazios, as imagens ocas, a fé cega e o santeiro inspira-se em mil rostos e formas como os antigos gregos com seus doze deuses.

O Deus Desconhecido

A projeção está aí há alguns milhares de anos. O homem tateia cego num poço escuro à procurar por suas razões, por seu deus. Em seu limitado sonho a holografia de um deus sorrateiramente livra-se das amarras da racionalidade e pela brecha busca a luz.

"Pois ainda vemos por espelho..."

A holográfica aparência em cadente movimento toma forma, voz, gosto, emoção, é o homem despreendendo do cativeiro e projetando sua maquinaria em direção aos céus, onde dormem os gigantes. Não há vento na terra dos moinhos. Gira o pequenino as pás, a parafernália dos signos, eleva seu ícone acima dos demais projetando a si mesmo em seu deus. Morreram os artesão, a pena secou escriba! No Livro Sagrado da Vida o self a cunho de pedra predestina-se abrindo sua válvula de escape apontando para cima desarraigado de sua terra, de seus irmãos.

"...mas um dia o veremos face a face, tal como ele é o veremos."

O Grande Monstro cheio de Olhos, metalicidade lumine omnisciente em sua gloríola julga os homens. Fugiu o controle, o Holograma se quantificou e esmagou toda metalógica transformando-se num ser autómato a devorar Niilistópolis e seus moradores.


A Vinda do Filho do Ícone

"Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o Senhor."
I Carta de Paulo aos Tessalonicenses Capítulo 4


Em seu casulo pós-moderno o religioso constrói seu simulacro
[..."Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não se tem. O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. O que toda uma sociedade procura, ao continuar a produzir e a reproduzir, é ressuscitar o real que lhe escapa. É por isso que esta produção ‘material’ é hoje, ela própria, hiper-real. Ela conserva todas as características do discurso da produção tradicional mas não é mais que a sua refracção desmultiplicada (assim, os hiper-realistas fixam numa verossimilhança alucinante um real de onde fugiu todo o sentido e todo o charme, toda a profundidade e a energia da representação). Assim, em toda a parte o hiper-realismo da simulação traduz-se pela alucinante semelhança do real consigo próprio"]. Baudrillard, Simulacro e Simulações

A realidade se torna hiper-real erigindo olhos panópticos a vigiar a gente lusca.

"Abolimos o mundo verdadeiro: que nos restou? O aparente, talvez?... Não! Com o mundo verdadeiro abolimos também o mundo aparente." Nietzsche em Crepúsculo dos Deuses

E o que temos Marius?
Um mundo aparente sob a casca de uma cigarra pregada num cipreste.
Uma pseudo-realidade sem substância, onde o significado de um signo é apenas outro signo, ad infinitum. (Baudrillard) A pergunta chave seria, como despertamos do Kenoma?


"...Até os deuses providos de sacrifícios tombam dos céus." Krishna





2008

sam

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