SOBRE O FIM
Deus disse: Eis que o homem é como um de nós
conhecedor do bem e do mal
impeçamos que coma novamente da árvore da vida e viva
eternamente
lançou o homem fora do jardim do Éden
para lavrar a terra de que fora tomado
E havendo lançado fora o homem, pós querubins ao oriente do
jardim do Éden
e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o
caminho da árvore da vida
The Tree of Life by Gustav Klimt
No meio de uma noite quieta, de céu límpido, quando todos
dormiam, meditava sobre a construção dos mundos enquanto fumaça e destilados
entorpecia minha mente, na verdade não vejo bem como um entorpecimento, e sim
uma desaceleração da ansiedade, com a qual sofremos todo o tempo por
antecipação das coisas que ainda não são.
Segui por uma estrada meditativa e eis o que vi:
Vi seres flamejantes rompendo os céus, clareando a noite ao
cortar nuvens, um voo não sincronizado, eles nos observavam de cima até que um
deles se atirou por terra e esse foi o final dos dias como eram, e não houve
trevas ou escuridão, o fim dos tempos veio com um grande clarão, como uma bomba
que desfragmenta a matéria e reduz tudo a pó e o pó torna-se luz como no
princípio.
E para onde todos vão?
Não seria melhor perguntar, de onde todos vieram?
Trilhões e trilhões de sistemas inteiros desperdiçados? Sóis
em órbitas constantes, aquecendo novas e antigas constelações, criando
supernovas irradiantes desencadeando novas formações de mundos e vida, vida por
toda parte, de todas as formas possíveis combinadas por uma molécula de
carbono, a constituição primária de todas as estrelas.
Assim, a Terra foi apenas uma hipótese, uma escolha entre
infinitas galáxias, planetas, seres. Eu acho que temos uma boa razão para
estarmos aqui. Mesmo os que já morreram também tiveram. Nós escolhemos esse
destino, não como carma, ou propósito divino, mas como uma escolha mesmo,
livre, proposital, arbitrária, totalmente consciente disso. Não foi por
merecimento ou culpa, nossa existência nesse paraíso se deu devido a duas coisas:
Combinações orgânicas perfeitas.
E o tempo certo.
Somos frutos de nossas escolhas. E de algum modo, em alguma
momento ou milissegundo eu não sei, de
nossa jornada eterna, decidimos cair e a queda foi alta. Saímos de Deus, da
Luz, do Amor e comemos da matéria, da dor, tudo para que pudéssemos viver
conforme os deuses, ou os criadores de formas. Da abstração perfeita à novas
formas e cores e cérebros e sentidos e sentimentos nunca experimentados e novos
corpos para encapsular a Luz que nunca se extingue.
Por isso sofremos, mesmo nesse paraíso azul, cheio de cores
e vento, algas coloridas, milhares de espécies animal, floral, uma esfera
celeste no meio do vácuo gelado espacial, onde o mar de fogo queima por dentro
placas tectônicas inteiras abaixo dos oceanos, essa bola magnética
incandescente que faz esse planeta girar todo dia para que o sol o aqueça por
cima, mas de leve, por causa das camadas de gases que cobrem o céu, e os homens
de baixo ou por cima da terra em chamas, nada veem e nunca se preocupam, agimos
como se não tivéssemos nada a ver com isso, não é obra nossa. E se rompesse as
camadas? E se todos os vulcões explodissem? E se os mares fervessem? E o sol
apagasse? Ainda estaríamos aqui?
Muitas gerações se passaram para que aprendêssemos as leis
que regem o paraíso terrestre, a matéria e até a anti-matéria, o espaço vazio,
o vácuo orbital, o pó das estrelas, pedras espaciais que se desprendem de
cometas. Conhecemos o bem e o mal e agora faremos os testes... Vamos chocar um
elétron a outro, próximo a velocidade da luz e então, poderá nascer uma nova
estrela, ou quem sabe até um planeta inteiro ou um ínfimo buraco negro, ainda
não sabemos. O Acelerador de Partículas, ou como é conhecido, A Máquina de Deus
já está em testes na Suíça logo descortinaremos os véus, mas será que veremos
alguma coisa estando tão presos ao chão, estando tão baixo...? Nosso ponto de
observação não é dos melhores, admito, mas é um começo, ou seria o começo do
fim? Não quero estar aqui quando tentarem criar uma estrela, ainda não descobri
o propósito de nossa existência, falo como um coletivo, entende? Não to nem
para seu sonho de grandeza pessoal, se você acha que veio ao mundo para ser um
veterinário, ou um político, ou mesmo um salva-vidas ou um padre, sei lá! Não,
não há nada mais desprezível a se pensar que achar que há um único motivo para
estarmos vivos e conscientes disso.
Acho que essa vida por aqui é só uma passagem, como um
feriado prolongado com trabalhos forçados numa ilha paradisíaca. E quando
chegamos aqui, desde cedo, temos que saber lidar com essa angústia de ver o
belo e viver o trabalho. Cada um acha que veio aqui por sua profissão, mas não
funciona assim. Se eliminassem seu conhecimento adquirido nas instituições dos
homens, sua memória e sua fé pré-adquirida na infância e lhe soltasse numa
pequena ilha no meio do nada, para que você acharia que veio ao mundo? Para
trabalhar na ilha? Desenvolver o lugar? Criar uma cerca, montar o rebanho para
que a comida nunca falte? Que necessidade de transformar o natural segundo à
concepção de nossa mente mecânica, egoísta. Sei lá de onde surge essa coisa
estranha em nosso coração onde queremos dominar tudo sobre todos, dar nomes ao
inominável, tentar deixar de forma mais clara e simples o inefável, o mistério
de Deus. Não suporto esse papo! Existe muita coisa entre o céu e a terra, não é
mesmo, Horácio?
As vezes eu me sinto só. Mas não uma solidão de carne e
ossos e sangue e emoções fortes e falácias e comunhão entre amigos, porém um
sentimento de não-conexão com tudo que há por aqui. Eu não me identifico com
nada, perco o elo que liga a todos nós, a ponte dos homens, essa sincronicidade
imperceptível aos aparelhos, aos olhos... Me sinto viajando solitário num
traçado delimitado apenas por mim e para mim. Um caminho onde ninguém mais pode
seguir, um único final já reservado, preparado e apenas eu posso viver isso. É
nesse sentido que me sinto só, que irei encontrar a Senhora do Hades. Não há
ninguém para me acompanhar. As vezes prefiro assim...
E quando eu me for, ou melhor, quando retornar ao meu lugar,
quero viajar. Apenas viajar, por um bom tempo, à velocidade da luz; quero ver
novos mundos se formando, sentar numa esquina do Universo, num botequim no fim
do mundo, e tomar um chopp escuro, fumando um charuto, e jogar conversa fora
com o Criador de toda essa grandeza!
sam
05/06/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário