Marius Trevor numa esquálida caixa metálica sobre rodas
- Ok! Vamos acabar com tudo! Vi
num jornal hoje, cada cidadão nessa cidade já nasce devendo R$ 2.200 para o
Estado. É a dívida de uma gestão bagunçada, zona! Botam um bando de deputados
filho da puta pra auxiliar um governador mais filho da puta ainda e tudo fica
por isso mesmo.
- É, hoje vai ser um dia daqueles!
- De onde você tirou essa frase?
- Sei lá, talvez de um filme
idiota qualquer, por quê? Tá estressado?
- Porque todo mundo me pergunta
isso?! Virou chavão dessa modernidade caótica que vivemos: Tá estressado? Um
workaholic deprimido? Aiaiaiai e ai... Tadinho dele! Tá precisando desabafar?
Homus-Parafusus! Ahhhh! Vai todo mundo pra que pariu também, rapá!!!
Uhuasdhjsbdas!!! Foda! Saio cedo, pego ônibus lotado num calor absurdo onde o
sol vai derretendo tudo quanto é camada de ozônio, todas as geleiras nos polos
onde doces pinguins se divertem em escorregadores naturais fugindo de meigas
foquinhas assassinas. 1 hora em pé num ônibus cheio, abafado, com velhinhas
correndo para os assentos vermelhos dando sacolada nos
pseudo-burgueses-delinquentes-juvenis-geração:"sou-garoto-propaganda-Diesel-Falsificada-vejam-minha-cueca-de-fora",
daí pelo vidro embaçado lusco-fosco-flanco só se vê um bando de formiguinhas
apressadas, correndo loucamente com seus cristais de açúcar nas cabeças ocas
pra lá e pra cá numa fuga doentia! E os milhões de automóveis? gols, vectras,
palios, palios weekend, palios turbo, palios turbo flex-power, palio jet, palio
joy, fuscas [...é, ainda se vê fusca], aquela fumaçada toda, "Senhor,
please, quero completo: ar, direção, travas, vidros elétricos se possível
anti-bala, ah, não tem jeito, ok! é...alarme, airbags, multi-super-flex...quero
andar muito por menos e ainda dá uma forçinha para o meio-biente né! Nós tudo
tem que colaborar, né! sim! não...!!!Não? Não o que?
- O que cê tá falando?
- Não sei ao certo. Vi o anúncio
com uma morena gostosíssima, alva pele, cálida flora acalentada com leves
pétalas de crisântemos num fundo holográfico falso como seu próprio reflexo, [a
cidade ao fundo?] Ilha Santorini, uma ilha-vulcão situada no extremo sul do
grupo das Cíclades, no Mar Egeu a 200 quilômetros de
Atenas. Outdoor de uma propaganda de sandália!
- Quanto?
- Mil.
- Mil reais?!
- Mil de entrada e o resto em até
12x dividido com o mínimo juro judeu no GoldCardPlusAmericanClassSlavePersonalitéTopHunter
- nível 2.
- Puta que pariu!
- Pois é. Mais de mil ‘pilas’
num pedaço de couro desfiado das costas negras de um bison canadense -
"...é sim senhorita, verniz mayale e temos nas cores preto, marrom claro,
marrom natural, grafite, new toast (vulgo bege na língua nativa), smoke taupe e
rosa ecrã."
- Que isso! Se minha mulher
pedir uma dessa eu separo na hora. Pô, eu sou assalariado! Como é que pode ser
tão caro uma sandalinha vagabunda? Em Cubá tu ganha uma havaiana por mês.
- Como sabe disso?
- Internet.
- Que site?
- Ah, sei lá, meu! Não vou
lembrar não! Devia ser um daqueles sites de movimentos anarquistas com links
proibidos e senhas para tudo que é página pornô.
- Sei... É Foda, sabia que 23%
dessa cidade possuem automóvel. Temos a maior média de veículos por cabeça,
1/5. Imagina quantas donzelitas tem o cash para uma sandália dessas? E pra ir
numa porra de vulcão num cruzeiro de luxo? Uma visitinha aos nossos
colonizadores culturais helenos. Se Sócrates lhes perguntasse, O que é a vida,
irmã? – Ela diria rapidamente: Da vida nada sei, se quiseres discutir o
não-estilo-demodê da próxima estação...
- O que mais viste, Marius?
- Num ponto anticrepúsculo à
meia claridade cálida, zéfiro cortante frio, um bar velho se abriu, um dilúculo
despertar (?) acima de horas errantes. Para tudo! Tudo para! Para tempo para,
para fogo, para! Para sol, para! Para dentro de seus carrinhos seguros, de luxo
se apressam a esconder, as formiginhas atarefadas, loucas para voltarem às
casas, aos bares, aos amantes, às crianças, às tvs, ao futebol, às instituições
moralizantes repressoras "educacionais", aos altares de seus
deusinhos, deusões, homens-deuses! [Onde estão os Iconoclastas nessa triste
hora?!], aos puteiros, aos crimes, à cama. Elas saem apressadas, doidas, tenazes!
Ah, um leve sopro da quintessência natural, o humano elevado ao máximo
apuramento, a parte mais nobre, o que há de melhor, o mais alto grau. Requinte!
Não, nada disso importa, somos macacos falantes numa robovilização, mundo
mecanicaos! Mecanicão! E ainda não vi o...
- Isso é plágio criativo?
- Foda-se! Na idade média, as
leis da imitação permitiam e estimulavam a busca de um exemplum, de um modelo
do passado que servisse de base para fazer algo de novo com o antigo, mesmo que
depois todos pudessem perceber ali, na obra realizada, mais o antigo do que o
novo. Talvez estivesse no bojo dessa mentalidade a idéia da imitatio Christi,
que não era simples cópia do comportamento de Cristo, mas uma ascese que
implicava na assimilação e na imitação pessoal do modelo da santidade cristã.
O medievalista Jacques le Goff menciona sempre o fato de que, naquela época ,
os professores e artistas usavam as fontes cristãs e greco-latinas com a
liberdade de quem realmente podia apropriar-se, sem falsos escrúpulos, do que
lhes parecia inspirador. Não era, portanto, imitação pura e simples, mas plágio
criativo. No século XII, por exemplo, John of Salisbury ensinava explicitamente
aos seus alunos que o segredo da filosofia e do escrever bem estava em ler os
grandes mestres do passado e redigir como se os estivessem encarnando num novo
contexto histórico.
Mais do que meramente copiar, o escritor prestava uma homenagem ao imitado,
dizendo, nas entrelinhas, que só o imitava porque nele encontrara um valor...
inimitável.
- VIxe, decorou isso na
Wikipédia? E daí, é tudo a mesma coisa, brother: uma imitaçãio barata!
- Vai deixar eu acabar ou não
porra?!
sam/2006
- É, hoje vai ser um dia daqueles!
O medievalista Jacques le Goff menciona sempre o fato de que, naquela época , os professores e artistas usavam as fontes cristãs e greco-latinas com a liberdade de quem realmente podia apropriar-se, sem falsos escrúpulos, do que lhes parecia inspirador. Não era, portanto, imitação pura e simples, mas plágio criativo. No século XII, por exemplo, John of Salisbury ensinava explicitamente aos seus alunos que o segredo da filosofia e do escrever bem estava em ler os grandes mestres do passado e redigir como se os estivessem encarnando num novo contexto histórico.
Mais do que meramente copiar, o escritor prestava uma homenagem ao imitado, dizendo, nas entrelinhas, que só o imitava porque nele encontrara um valor... inimitável.
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