A VINDA DO ÍCONE


King Kong de 1933, dirigido por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack.




Assim que Deus pisou na Terra, precisamente sobre o topo do Empire State Building, (acho que Deus imagina que o prédio ainda é o mais alto do mundo, ele está atrasado apenas uns 30 anos) descendo do céu com toda a pompa e glamour profetizada em inúmeras culturas e livros e tradições orais, os religiosos suspiravam de alívio e gritavam e choravam e rasgavam suas roupas, arrancando sangue do próprio corpo, ajoelhando sobre brasas, quando o viram descer lentamente numa nuvem dourada.
Trovões e raios e um eclipse solar, o script fora perfeito. Nada de anjos! (nada contra os anjos, sabe... só acho que eles ficariam um pouco deslocados naquele cenário simples, sem ostentações, com aquelas asinhas brancas e carinhas mimadas de "não me toques") Não, Deus estava só. Todos os olhos estavam na tela da televisão ou na Internet ou nos terraços de seus próprios prédios (para alguns sortudos).
Era o momento mais importante para a raça humana. Seriam respondidas todas as questões conspiratórias: o propósito de nossa existência, a nossa origem e futuro e a razão de nosso sofrimento (e se me deixassem perguntar alguma coisa, eu só queria saber sobre... Hum... Pensando bem... Não to muito a fim de saber nada não. A vida toda nunca me importei sobre o que a religião dizia de Deus, ele nunca me fez falta pra nada, não seria agora que iria fazer alguma diferença ou efeito, de qualquer forma, fiquei atento ao evento, não tinha nada a fazer mesmo e o mundo inteiro havia parado).
Então, vieram os militares e o levaram para a sede das Nações Unidas insistindo que Deus deveria se pronunciar oficialmente para todo o planeta. (A vantagem de ser Deus numa hora dessas é poder fazer o milagre da glossolalia para que todo ser humano o entenda em seu idioma nativo.
Inicialmente Deus ia respondendo às indagações dos filósofos, cientistas e líderes de governo. Depois vieram os religiosos e suas especulações farisaicas e em seguida os ateus. As horas se passavam e Deus não se cansava de responder a tudo que lhe perguntavam, Ele parecia estar em casa, de pé sobre a tribuna principal, centenas de câmeras e microfones na sua cara. De casa, pela TV pude perceber que uma gota de suor descia de suas têmporas dando sinal de cansaço, mas ele não parava. Respondia, conversava, explicava as distorções que os homens escreveram acerca de sua personalidade e poder. O público suspirava com as explicações metafísicas sobre a matéria, a luz, o micro mundo em nossos corpos, supernovas antigas... (engraçado, imaginava Deus como um personagem de quadrinhos de ficção científica de um planeta bem distante, talvez com uns cem olhos de fúria e fogo saindo da sua boca ou sei lá, um gigante ser como "Galactus", o “Devorador de Mundos”, mas Deus me surpreendeu! Tirando a surrealidade de sua chegada, o Todo Poderoso se mostrara bem humano, simples e discreto, vestido socialmente com paletó e gravata, sem espadas flamejantes, tampouco auréolas luminosas, barba bem feita, olhos castanhos, cabelos pretos com alguns fios grisalhos, aparentava ser um homem de uns 40 anos de idade. Nada de barba longa e branca e semblante sério. 

Deus sorria para as crianças, contando piadas pra quebrar a tensão e se mostrando amável com todos,  até que um ateu lhe tirou a sobriedade quando em fúria perguntou, o que ele estava fazendo aqui na Terra depois de tanto tempo que vagamos solitários, envoltos em nossa mísera condição, suportando a morte e a guerra, santas fogueiras de destruição, profano ódio indiscriminado, assassinatos, corrupção, mentiras, fome e doenças, calamidades e toda espécie de tortura física, mental e espiritual, totalmente sozinhos, enganados por falsos profetas e falsos Messias com ilusórias  e promessas de uma melhor vida futura, onde livros forjados como sagrados em concílios mentirosos ditavam as regras desse jogo malfadado da fé! Onde Deus estava durante todos esses milênios que aprendemos a ser quem somos e a aceitar nossa situação no Universo. Ele disse que não precisávamos de Deus, não agora. 

"Você chegou muito tarde!"

Foram as últimas palavras do ateu quando se virou para a saída dando as costas ao Criador do Universo e tudo o mais. O auditório se silenciou por completo. Deus pareceu não acreditar no que havia acontecido, embora sua onisciência já o previu quanto ao fato. Ele apenas se deixou levar pelo sentimento de reflexão e abaixou sua cabeça e depois de um longo tempo e um profundo suspirar, Deus abriu os olhos lacrimejados e não havendo nada melhor a dizer, apenas soltou:

"Perdoem-me, meus filhos, eu estava apenas em meu tirando um cochilo. Hoje não é o oitavo dia?"

E daí todos caíram na gargalhada aliviados porque Deus não havia se esquecido de nós, foi apenas uma sonequinha de um dia. Tudo certo!










08/09/2010/
sam

Conto escrito para o desafio da Oficina Literária virtual Bad Books Don´t Exist
DESAFIO: Imaginem que Deus o criador dos humanos (não interessa a religião em concreto) sente chegada a hora de revelar sua existência de uma maneira explícita e objetiva a toda a raça humana. Escrevam um texto sobre como o fariam e o que diriam. O texto pode ser inclusivamente a mensagem final... Sem limite de palavras ou de tempo.

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