Vinte e cinco de Dezembro,
Nove e trinta e três da manhã.
Chove.
O céu cinzento esconde as últimas estrelas mortas.
O café, mormente aquecido novamente sobre a mesa fria.
Alguns biscoitos deixados no armário.
Sopra algumas formigas esfomeadas e come.
O céu cinzento esconde as últimas estrelas mortas.
O café, mormente aquecido novamente sobre a mesa fria.
Alguns biscoitos deixados no armário.
Sopra algumas formigas esfomeadas e come.
Abre a porta.
O zéfiro cortante alisa a pele e despenteia o cabelo.
O zéfiro cortante alisa a pele e despenteia o cabelo.
Acende um cigarro e espera a
chuva passar (Um cigarro dura de três a quatro minutos).
Pronto.
Agora vai e a chuva não passou.
Agora vai e a chuva não passou.
Conversações sob um céu tenebroso
_Sabe o que mais me assusta
Dário? A insustentabilidade das coisas. Nada é permanente, tudo é transitório,
mutável, inconsistente. O jeito que as pessoas vão mudando me dá medo. Não há
nada a se apegar por mais de quinze minutos. A busca pelo novo é a nova
religião. Sempre uma novidade surgindo sob holofotes impermeáveis. E os loucos
gritam: Mais! Mais!
_Você ainda está bêbado, Lucius?
Não dormiu em casa, né?
_Não entendeu nada, não é? Você
acha que consigo meu amigo? Respirar! Eu não consigo respirar! Até onde vai
isso tudo? Diz! Vamos! Trabalhamos nesses cubículos miseráveis, mentindo e
mentindo e você não dá a mínima! Vamos todos para o inferno!
_Olhe aqui, seu doido! Esse é o
único trabalho que conseguimos, portanto deveria estar grato e calado!
Abandona sua mesa e corre para a
janela e acende o segundo cigarro do dia e ele sabe que precisa de um café.
Seu nome é Dário
Traquineiro.
Seu trabalho: Consultor de Seguro.
Seu trabalho: Consultor de Seguro.
Quanto tempo?
Quatorze anos.
Quatorze anos.
_Bom dia, senhora Flores! Aqui quem
fala é o Dário, seu consultor de seguro. Tudo bem com a senhora? Que
bom. Recebemos o cadastro e a ficha de sinistro. Temos tudo notificado sobre o
incidente e infelizmente não tenho boas notícias, senhora Flores. É que a
seguradora não poderá cobrir os danos. Não, não... Não foi erro de preenchimento
não. Estava tudo certo. O problema é que a apólice de seu seguro não cobre
aquele tipo de dano específico. Sim, compreendo. Eu sei. Entendo que a senhora
vêm pagando por vários anos, senhora Flores. Compreendo. Eu não posso fazer
nada. Eu sei que a apólice assegura a casa da senhora contra queda de raio,
porém na última cláusula alega que na casa do segurado precisar ter no mínimo um pára-raios. Foi esse pequeno detalhe. Entendo. Claro. Sei que
a senhora confiou em nós, mas são
as normas da empresa, senhora Flores. Eu não posso fazer nada quanto a isso. Eu sinto muito, senhora Flores...
Quarenta e nove da mesma manhã
nebulosa.
Volta para à área de fumantes, agora com seu café.
Volta para à área de fumantes, agora com seu café.
Hoje ele atendeu cento e vinte
duas ligações.
Fumou quatro cigarros.
Quase todas as ligações foram sobre reclamações de apólices com vistorias negadas:
Fumou quatro cigarros.
Quase todas as ligações foram sobre reclamações de apólices com vistorias negadas:
Treze casas incendiadas.
Vinte acidentes passivos.
Nove furtos.
Quatro explosões.
Dois acidentados.
E uma vítima fatal.
_O que vai fazer depois
do trampo, Dário? O pessoal do cadastro vão naquele bar que abriu semana passada,
tá afim?
_Não. Obrigado, Talles. Não tô a
fim de nada. Vou pra casa.
_Cara a vida é apenas isso mesmo.
Não tem nada que você possa acrescentar não. Para de bobagem e me escuta...
(Sempre acontece com ele. Pessoas
começam a dizer coisas sem nenhum significado do diálogo anterior. Filosofia do
senso comum )
_... o que você está buscando, você
acha que pode durar pra sempre? Não! Isso aqui é transitório, cara! Vai acabar
e se tu não aproveitar, logo vira pó, se esvaindo como fumaça de escapamento!
Salomão disse, olha só o que a vida tá lhe dizendo hoje: (ele pega o folhetinho que o zelador gospel distribui todos os dias) "...anda, come teu pão com alegria, e bebe contente teu vinho,
porque Deus se agrada de tuas obras. Usa sempre vestes brancas, e não falte o
óleo perfumado sobre tua cabeça! Goza tua vida..." Amém! Então, fica tranqüilo, Dário!
Se aquiete, homem e vamos corromper umas garotas!
_Hoje não e obrigado pela dica,
Talles.
Cinco e quarenta e seis da
tarde, ele parte do trabalho.
Dentro do ônibus um velho
pregador mais sujo que o chão do ônibus berra incontrolavelmente.
“_* Ilusão! Ilusão! Tudo é pura
ilusão! Que vantagem o homem tira de seu trabalho com quem se fadiga dia após
dia?! Uma geração vai outra geração vem e a terra permanece do mesmo jeito. O
sol se levanta, o sol se deita, dirigindo-se para o sul, voltando para o norte.
Todos os rios voltam para o mar, contudo o mar não transborda, para onde vão os
rios então? Tudo é penoso, difícil de explicar. A vista não se cansa de ver,
nem os ouvidos de ouvir; o que foi será, o que aconteceu, acontecerá novamente!
Não há nada novo debaixo do sol!”
Ele desce do ônibus e a chuva não para.
*Eclesiastes
de Salomão
sam/2007
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