ESTRANHOS NUMA NOITE ANESTESIADA - 1º ATO


VOCÊ NÃO PODE ESCREVER SOBRE ALGO QUE NÃO VIVEU

vAN gOGH

O ócio. Tempo valioso para os que não têm nada a fazer. 
É lamentação, preguiça, desnecessidade, vontade de morrer. 
Há um gato sob telhas escondendo-se da chuva - símbolo da ociosidade; o ébrio vagabundo esparramado no asfalto - ociosidade decadente; a bela puta na varanda, cigarros mentolados, olhamos a noite morrer - ociosidade luxuriante. E há também os gagos, os santos, as mães, as donas-de-casa, os capitalistas, os girassóis. Hum...E há também os perdidos numa noite santa sob um céu amanteigado, derretendo. Tudo está latente agora, o espiral de cores sumiu. São barulhos noturnos numa noite de domingo: a igrejinha ao lado com seus burburinhos e lamentações, e o pastor berra loucamente, "Arrependei-vos, pois é chegado o Reino dos Céus!"
Ninguém está ouvindo.
Mas as pessoas nas igrejas são tão estranhas.
Ninguém até hoje conseguiu agir conforme o que realmente acredita.
Fingem em acreditar que agem.
E daí surge o domínio natural sobre àqueles que menos simulam sua crença.
Mortos-vivos numa tarde ensolarada jogando cricket com estranhos!
(nesse momento um homem é baleado por seu vinzinho)
Você coloca o capacete calmamente como se todo movimento fosse premeditado.
Liga a moto e sai acelerando no talo!
(Foda, o que eu tô falando?!)

Pois bem, essa é uma reflexão sobre o vazio e a plasticidade mecânica da vida.

Deitei na grama coberta com cupins, quebrei garrafas de Bohemia, dormi ao relento, falei verdades e mentiras, pus a corda no pescoço e cantei.
Sim. Cantei como um gafanhoto comedor-de-luz às três horas da manhã.

(atravesso a cidade decadente)

Ok... Você é ocioso? Consegue dormir por vinte e duas horas seguidas?
Bem. Houve um assalto, raios, relâmpagos e trovões. Alucinações, rodas de samba, discursos efêmeros, paixão platônica, miríades de pensamentos: Karls, Shoppenhauer, Kapra, Kafka, Morus, Zaratustra, Cristo, Budha, Gandi, Engels, Bob-Esponja... !
E ainda assim os comedores-de-luz não comeram ninguém, tampouco chegaram a algum lugar, fadados à eterna desolação do senso-comum, da sistemática roda do moinho embranquecido: A Divina Samsara. O Eterno Retorno, como o rock progressivo (Como Fix You do Coldplay).
Senhoras e Senhores com vocês,

Estranhos Numa Noite Anestesiada

(De olho no velocímetro, 120 por hora, outdoors como rabiscos luminosos)
Três e meia da matina, os carros já não passam velozmente, vêem se arrastando como lesmas bêbadas, derramando cerveja pelo escapamento e os poros dilatados que já não se agüentam... Tanto sono!
A cento e quarenta quilômetros por hora percebemos as coisas como realmente elas são: Eternas! [Ou ilusórias?] As fracas luzes dos postes rotos mal conseguem iluminar a si mesmas. Faróis dançam num baile de formas numinosas e eu a voar como um demônio na madrugada fria de um dia qualquer de Maio.


Diálogos na Estranha Casa do Samba Doido

“Ei Ferdinando, o que você irá dizer na entrevista? Não começará novamente o velho sermão né?”

“Eu vou mandar todo mundo pra puta que pariu da melhor e mais fina forma possível!”

...

"Me preocupa muito como Mahli está. Sabe, às vezes é preciso conversar um pouco, se abrir. Ela é muito fechada. Só responde quando lhe perguntamos... Não há nada que parta dela! Apenas uma cópia desbotada do que foi. Como se todo o seu universo se mantivesse a uma breve satisfação de prazer intenso, duradoura ou não. Sem perguntas e lamentações, crise ou culpa. Apenas o doce e ávido que se consome como a Fênix egípcia. Não, isto tá errado Telius, as pessoas não podem viver assim, como se o hoje fosse o último dia de suas vidas!"

“Mas o que podemos fazer se já não existe o amanhã e tudo isso aqui é uma ilusão, querida?”

...


“Arhgm, cof,cof,cof...ahhhhh!!cof,cof,cof....essa é forte hein, puta que pariu bicho! Essa veio direto da mão do Satã!!”

"kakakaka, cof,cof, arghhhhh, foda!! Já tô dentro, heheh, Essa é da ‘lata’, com certeza!”

“Nossa tá viajando, hein maluco! Olha só, vamos voltar pra dentro, a festa vai ficar legal agora. Antes deixa eu perguntar uma coisa pra vocês.”

“Diz aí. Cof,cof!!! Nossa, essa tá forte!”

“Segura a onda!”

“Vocês acreditam em Deus?”


...


“... aí, o cara vai e me diz com a cara mais sem vergonha: “A menor partícula de um átomo é a escala Planck!”

“Kakakkkakak!!! Meu Deus! Não há limites para a ignorância humana. Todos sabem que...”

Numa casa na árvore imaginária garotos conversam sobre física quântica:

“...a propriedade mais importante dos quarks é chamada de confinamento. É um fato experimental que os quarks individuais não são vistos — Eles estão sempre confinados ao interior dos hádrons, partículas subatómicas como os prótons, neutôns, e meson. Por esta razão, nunca foram vistos quarks individuais — eles estão sempre confinados dentro dos hadrões, partículas subatómicas que incluem os protões, neutrões e os mesões.”

“O quê?!”

“Os quarks ocorrem em seis "sabores" na natureza: "top", "bottom", "charm", "strange", "up" e "down". Os dois últimos formam os protões e os neutrões, enquanto os quatro primeiros existem em hadrões instáveis criados em aceleradores de partículas. Os quarks têm uma unidade de "carga hadrônica" que...

“Não, não! Para com isso, minha cabeça tá rodando! Loucos! Foda-se os quarks e Einstein! Vamos beber e parar com esse papo louco. Onde é que estão as mulheres?!”

“Você está errado quanto a Einstein. A noção de quarks foi desenvolvida independentemente em 1961 por Murray Gell-Mann e Kazuhiko Nishijima, sendo atualmente denominada como modelo quark.”

“E daí?! Fodam-se também! Japoneses filhos da puta!”

...


Chego em doze minutos e meio a 140 por hora, 20 quilômetros percorridos. É um pouco menos que a velocidade da luz que não é totalmente estável e o choro tá ‘comendo’.


“Meu velho amigo Vicius, onde está Thom e os outros?”

“Thom? Sei lá cara! Olha, fica de boa. Senta aí que vou pegar uma cerveja pra gente. Tenho muito o que te contar.”


O lugar balança. É uma ‘fritação’ total.
Mulheres com bandanas coloridas amarradas aos cabelos castos.
Novos beats com seus sujos chinelões à vontade dançando sob fracas luzes de neon ao som envolvente de uma banda mal trapilha de Choro.

"Eh morena, vem dançar!
Se o mundo acabar 
Só restou o Zé Pretinho 
Pra mulata sambar!"


E lá no fundo Lissa numa mesa com Mahli


“Lissa, você alguma já vez tentou se matar?”

“Não. De verdade? Você tá me perguntando se tentei me matar mesmo, valendo?”

 “O que você entendeu?!”

“Que talvez fosse pra chamar a atenção de alguém, sei lá, você já tá bêbada.”

“Não estou não e falei sério mesmo. Não há um dia em que acordo sem pensar nisso.”

“Ah, para com isso sua louca.”

“Sua resposta foi sincera?”

“Claro que foi. Acredito que não possuo esse direito.”

“Se você não tiver esse direito, não é humana. E a morte não é algo que possamos prever assim.”

“Ei, Mahli quer lá fora fumar um cigarro?”

“Vamos.Volto logo, amiga."


...


“Viciu, veja onde fomos parar desta vez! Que confusão adorável é está?”

“Curte a festa mano. Viu o que Telius disse sobre tudo ser uma ilusão? Então... Ele sabe Marius! Sabe de tudo! Não há nada que ele não saiba! E o cara é livre, saca?! Ele está aqui, mas também está em casa dormindo, de boa, desgarrado. Não sente o peso dos dias, nem se importa com as perguntas, curtindo sua música, dançando daquele jeito estranho parecendo uma minhoca no cio.”

“Igualzinho uma minhoca louca. Não conseguimos nos manter dessa forma. Você veio ao mundo para observá-lo, não foi? Como Dean Moriarty em On The Road.”

 “Não sei...”

“Então senta aí e curte a música garoto, essa cerva tá ótima.”




O nosense estampado nesse enredo talvez transpareça em alguma entrelinha, notas de sobriedade e antes que você mande tudo para o inferno gritando "mas que merda é essa?!" vou contar como acaba a noite.

Depois que saímos da Estranha Casa do Samba Doido fomos à Casa dos Pães Amargos e do Café Achocolatado.


“Cansei! Acho que a vida se resume nisso.”

“Numa noite totalmente improvisada como uma Jam?”

“Não, nesse café quente amarronzado cheio de açúcar numa noite invernal. Eu poderia morar aqui pra sempre!”

“Eu não saio daqui por nada nesse mundo, só quando o sol nascer.”

“Mas o sol não vai nascer, Marius, pelo menos não hoje”.



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